O psicótico vive sob o temor do aniquilamento (do qual as diversas psicoses seriam apenas defesas). Mas "o temor clínico do aniquilamento que já foi experimentado (primitive agony) [...] e há momentos em que um paciente precisa que lhe digam que o aniquilamento cujo temor mina sua vida já ocorreu". O mesmo, parece, se passa com a angústia do amor: ela é o temor de um luto que já ocorreu, desde a origem do amor, desde o momento em que fiquei encantado. Seria preciso que alguém pudesse me dizer: "Não fique mais angustiado, você já o(a) perdeu".
DECLARAÇÃO - Propensão do sujeito apaixonado a alimentar o ser amado, fartamente, com contida emoção, do seu amor, dele, de si, deles: a declaração não diz respeito à confissão do amor, mas à forma, infinitamente comentada da relação amorosa.
A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um duplo contacto: de um lado, toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indiretamente, colocar em evidência um significado único que é "eu te desejo", e liberá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir (a linguagem goza de se tocar a si mesma); por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, eu o acaricio, o roço, prolongo esse roçar, me esforço em fazer durar o comentário ao qual submeto a relação.
(Falar amorosamente é gastar interminavelmente, sem crise; é praticar uma relação sem orgasmo. Existe talvez uma forma literária desse coïtus reservatus: é o marivaudage.)
A pulsão do comentário se desloca, toma o caminho das substituições. De início é para o outro que eu discorro sobre a relação; mas pode ser também diante do confidente: de você passo a ele. E depois, de ele passo a nós; elaboro um discurso abstrato sobre o amor, uma filosofia da coisa, que seria apenas, um suma, um blá-blá-blá generalizado. Refazendo a partir daí o caminho inverso, poder-se-ia dizer que todo dito que tem por objeto o amor (seja o que for que se queira destacar) comporta fatalmente uma alocução secreta (me dirijo a alguém, que vocês não sabem, mas que está lá na extremidade das minhas máximas). No Banquete, essa alocução talvez exista: seria Ágaton que Alcibíades interpelaria e desejaria sob a escuta de um analista, Sócrates. (A atopia do amor, aquilo que o faz propriamente escapar a todas as dissertações, seria que, em última instância, não é possível falar dele a não ser segundo uma estrita determinação alocutória; seja ele filosófico, gnômico, lírico ou romanesco, há sempre no discurso sobre o amor uma pessoa a quem se dirige, mesmo que essa pessoa tivesse passado ao estado de fantasma ou de criatura a vir. Ninguém tem vontade de falar de amor, se não for para alguém.)
ENCONTRO - A figura se refere ao tempo feliz que se seguiu imediatamente ao primeiro rapto, antes que nascessem as dificuldades do relacionamento amoroso.
Se bem que o discurso amoroso seja apenas uma poeria de figuras que se agitam segundo uma ordem imprevisível como uma mosca voando num quarto, posso atribuir ao amor, pelo menos retrospectivamente, imaginariamente, um movimento organizado: é por essa fantasia histórica que às vezes faço do amor uma aventura. O trajeto amoroso parece então seguir três etapas (ou três atos): a primeira é instantânea, a captura (sou raptado por uma imagem); em seguida vem uma série de encontros (encontros pessoais, telefonemas, cartas, pequenas viagens), no decorrer dos quais "exploro", extasiado, a perfeição do ser amado, ou melhor, a adequação inesperada de um objeto ao meu desejo: é a doçura do começo, o tempo do idílio. Esse tempo feliz adquire sua identidade (sua limitação) pelo fato de se opor (pelo menos na lembrança) à "continuação"; e "a continuação" é o longo desfile de sofrimentos, mágoas, angústias, aflições, ressentimentos, desesperos, embaraços e armadilhas dos quais me torno presa, vivendo então sem trégua sob a ameaça de uma decadência que atingiria ao mesmo tempo o outro, eu mesmo e o encontro prodigioso que no começo nos descobriu um ao outro.
Há enamorados que não se suicidam: é possível que eu saia desse "túnel" que se segue ao encontro amoroso: revejo a luz do dia, seja conseguindo dar ao amor infeliz uma saída dialética (conservando o amor, mas me livrando da hipnose), seja abandonando esse amor, e retomando o caminho, procurando reiterar, com outros, o encontro do qual guardo o deslumbramento: porque ele é da ordem do "primeiro prazer" e não sossego enquanto ele não volta: afirmo a afirmação, recomeço, sem repetir. (O encontro irradia; mais tarde, o sujeito fará dos três momentos do trajeto amoroso um só momento; ele falará do "deslumbrante túnel do amor".
LOUCO - O sujeito apaixonado é atravessado pela ideia de que ele está ou está ficando louco.
Estou louco de amor, não estou louco de poder dizê-lo, eu desdobro minha imagem: sou demente aos meus próprios olhos (conheço meu delírio), perdi simplesmente a razão aos olhos dos outros, a quem conto comportadamente minha loucura: consciente dessa loucura, discurso sobre ela.
Achamos que todo enamorado é louco. Mas podemos imaginar um louco enamorado? De modo algum. Eu só tenho direito a uma loucura pobre, incompleta, metafórica; o amor me deixa como louco, mas não comunico com a sobrenatureza, não há em mim nada sagrado: minha loucura, simples perda da razão, é insignificante e até invisível; de resto totalmente recuperada pela cultura: ela não mete medo. (É entretanto no estado amoroso que certos sujeitos razoáveis adivinham de repente que a loucura existe, é possível, está bem próxima: uma loucura na qual o próprio amor naufragaria.)
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